Autoconhecimento: uma visão positiva do futuro

 

“Frequentemente tenho longas conversas comigo mesmo, e sou tão inteligente que algumas vezes não entendo uma palavra do que estou dizendo.”

                                                 Oscar Wilde

 

                    Conhece-te a ti mesmo, a famosa frase encontrada na entrada do templo de Delfos, na antiga Grécia, talvez nunca tenha sido tão relevante como no momento em que vivemos. Ser ou ter? Ter ou ser? É preciso escolher? São excludentes?

                    É verdade que estamos vivendo uma espécie de “ponto e vírgula” no curso da humanidade; parece que caminhávamos inexoravelmente para a prosperidade material, um extraordinário avanço tecnológico, expectativa de vida crescente, conquista espacial, mundo globalizado, informações aos cântaros, grande parte inverídicas...desigualdade social, autoritarismos de diversas matizes ideológicas...mas nunca estivemos tão bem em termos de bem estar, relativa paz mundial, apesar de toda a complexidade que é o viver.

                    Tudo isso para dizer que realmente vivemos “para fora”, ou seja, todos os estímulos que recebemos nos remete às coisas, às pessoas, às necessidades externas, como se tudo fosse criado para evitar que olhemos sincera e honestamente para nós mesmos. A dinâmica da sociedade é intensa e entramos em uma miríade de atividades, muitas das quais não sabemos nem os porquês.

                    Qual é o seu sonho? Ter um bom emprego, ter um bom imóvel, ter um carro, ter uma casa na praia, ter, ter, ter, te, t....e que é preciso fazer para isso? Estudar (coisa desagradável), ler (horrível, monótono), fazer muitos cursos... ”O líder perfeito”, “Desenvolva seu talento em cinco dias”, “Aprenda inglês em cinco semanas”, “Você pode!”, “Você merece!”...o que importa é o aqui e o agora, eu quero A G O r a...

                    Pois bem, não se trata de saudosismo, mas sem uma “infraestrutura” intelectual mínima, para onde vai a nossa vida? Por que não lemos bons livros como deveríamos, por que não há estímulo para uma boa formação intelectual, por que não desenvolvemos o pensamento crítico, por quê?

                    Bem, não há respostas simples, os problemas educacionais são imensos, mas o imediatismo e a superficialidade não é exclusividade de países atrasados como o nosso; é fruto da própria “evolução” da humanidade, de quem “dá as cartas” no jogo econômico, político. O interesse é vender coisas, ideias prontas, debates frívolos, inconsistentes, agressivos. Voltamos à questão do ter, não apenas de coisas materiais, mas de ter sempre razão, não importa qual seja o argumento falacioso. O importante é ter razão, impor nossa verdade, obter vantagem, falar do outro; sim, sempre é o outro, jamais nós mesmos.

                    Será que os motivos são apenas esses? Externos? Provavelmente não. Uma análise sob o ponto de vista biológico, evolutivo, indica que olhar para dentro de nós mesmos, com transparência, autocrítica, honestidade, dá muito trabalho. Pensar gasta muita energia.

                    Nosso corpo foi concebido e desenvolvido em um ambiente de escassez de recursos energéticos. Não era nada fácil ganhar o “pão de cada dia”, colhendo frutos, sementes, caçando, com todos os riscos que isso significava. Sabemos que 25% da energia que geramos, ao consumir alimentos, vão para o nosso querido cérebro, ou seja, é um grande “gastador energético”.

                    Por que gastar tempo e energia pensando sobre mim, se sou uma boa pessoa, quais minhas fraquezas, qualidades, se posso utilizar esse tempo e energia para buscar novas relações, novas oportunidades de trabalho, de ganhar dinheiro de adquirir coisas, de lazer, de curtir a vida?

                    Sim, pensar dá trabalho, gasta energia, despende tempo; ler bons livros, de conteúdo enriquecedor, dá trabalho; ler sobre ciência, dá trabalho; desenvolver pensamento crítico, dá muito trabalho. Além do mais, as armadilhas das ideologias e religiões estão aí para “laçar-nos” de maneira nada magnânima. Que poder! Aliás, o processo mental que faz com que sejamos dominados pelas ideologias e religiões, parecem ser os mesmos, ou muito semelhantes. Isso pode explicar o motivo de termos pessoas inteligentes, cultas, mas dominadas por essas duas poderosas Curupiras, dominando uma imensidão de pessoas, de organizações.

                    É verdade que as religiões, ao longo do tempo, tiveram um papel muito relevante no que diz respeito à coesão social, freio moral, além da espiritualidade em si, que é uma importante dimensão humana. O problema é outro. O mesmo se poderia dizer da ideologia política, que também funcionaria como uma forma de coesão social, uma maneira de avançar em temas muito relevantes para o desenvolvimento social. O problema também é outro. Temas para um artigo à parte.

                    E o autoconhecimento? Pois bem, esse é o tema, essa é a dificuldade. Autoconhecer-se indica capacidade de pensar, de criticar; significa ter que conhecer o que pensar, sentir, intuir, analisar. Cá entre nós, é muito mais fácil ver os problemas, carências e deficiências alheias. O problema são sempre “as pessoas”. As pessoas são muito superficiais, as pessoas não se enxergam, as pessoas só querem receber, as pessoas, as pesso, as pes...

                    Autoconhecer-se significa ter um repertório intelectual para saber identificar e verbalizar para si aquilo que se vê no espelho, através do “espelho da alma”, significa um padrão de honestidade implacável, de autocrítica tenaz, incorruptível, mas sempre construtiva, onde a autocompaixão esteja presente.

                    Autoconhecimento indica a necessidade precípua de compreender as próprias emoções, os próprios sentimentos. Significa ter a consciência de que as emoções muitas vezes dominam nossas ações; aliás, somos muito mais emocionais que imaginamos. São essas emoções que nos desviam de nós mesmos, que nos levam a ver os problemas dos outros, afinal, é muito mais fácil do que encararmos nossas fraquezas, debilidades.

                    O aspecto positivo de tudo isso, é que tivemos uma enorme oportunidade, o destino nos preparou uma surpresa dolorosa que é o momento que estamos passando, mas também uma excelente oportunidade de vivenciarmos a introspecção, o olhar para si, de obter uma vivência interior intensa. A vida nos proporcionou uma oportunidade ímpar para isso. Isolamento não precisa significar penúria, desânimo; ao contrário, pode simplesmente nos levar para dentro de nós mesmos.

                    Quem sou eu realmente? O que penso? O que verbalizo? Como atuo? O que sinto? Por que sinto o que sinto? Minhas ações estão voltadas para o bem estar do outro? Tenho ações construtivas para o crescimento das pessoas ao meu redor, para o meu próprio crescimento?

                    A vida nos trouxe essa oportunidade, penso que viveremos dias melhores a partir de agora, não como um passe de mágica; muitas coisas simplesmente voltarão a ser exatamente o que eram, mas muitas também não, é o momento de mudar, de olhar para nosso interior, de crescer verdadeiramente como seres humanos que somos. A vida pode ser muito boa, muito gratificante muito edificante, não a desperdicemos...

 

   Mauricio Lambiasi

Mestre em Recursos Humanos

Doutorando em Ciências Empresariais e Sociais

 

Comentários

  1. Meu caro irmão, muito bom tornar público seu saber, precisamos muito, boa sorte beijos

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  2. Inspiradoras as suas palavras. Realmente vale investir nesse autoconhecimento e ter sempre e renovadamente formas de tornar a vida uma experiência mais gratificante para nós e para os demais.

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  3. Maurício, meu caríssimo irmão, parabéns!! A dimensão da interioridade só pode ser realmente valorizada por meio da busca incessante do "eu" que, por sua vez, requer o autoconhecimento. Sabemos que o alto nível de consciência de si mesmo possibilita que a dimensão da alteridade aconteça de forma satisfatória, ou seja, a convivência do eu e do outro passa a ser uma experiência dialógica muito agradável, edificante, bonita e essencialmente humana. Por outro lado, consciências fanatizadas e mentalidades ideologizadas contribuiem para o estabelecimento da violência simbólica e da barbárie. Quem não cultiva o autoconhecimento e não enriquece sua interioridade com boas leituras, reflexões profícuas e pensamentos elevados poderá, infelizmente, não alcançar a compreensão de estar no mundo com algum saber e estará muito mais propenso a praticar a tolerância. Enfim, permita-me humildemente felicitá-lo pelo magnífico texto meu irmão. Ficou excelente em todos os sentidos.

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  4. Para a última parte do meu comentário anterior peço, gentilmente, que onde se lê "tolerância" se considere que de fato eu quis dizer "intolerância". Muito obrigado!

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  5. Querido amigo, sempre chefe e parceiro,

    Acredito que somente com o autoconhecimento podemos romper as amarras criadas pela sociedade e viver num ambiente que observa mais a felicidade em nossa vida. Com a educação, também somos orientados sobre o que não podemos fazer e o que não é correto fazer. Contudo, com toda boa intenção dos educadores e da própria sociedade, perdemos uma essência que precisa ser conhecida e até resgatada. Quando passamos a usufruir mais deste ambiente - o autoconhecimento, passamos a sentir mais, nos libertamos mais, sofremos sem tanta culpa e encontramos a felicidade no paralelo de nosso caminhar.
    Adorei ler seu trabalho e pactuo com toda forma de iluminar as pessoas.
    Parabéns pela iniciativa. Luís Leal (agora escrevendo como Cacá Leal)

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    1. Muito obrigado grande Mestre Cacá Leal!
      Suas palavras são de um valor incomensurável para mim!

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  6. Lambiasi, bela e inspiradora reflexão...
    Parabéns!!

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  7. Já dizia Heráclito de Éfeso: “Todos os homens podem conhecer a si mesmos e pensar sensatamente”. Ocorre que nesta contemporaneidade alucinada os apelos externos são tão exacerbados que muitas vezes esquecemos até quem somos. Obrigada, meu querido, por este convite à reflexão.

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  8. Adoro você sendo você e expressando o seu saber de forma tão amorosa.

    Foi de forma amorosa, também, como você acolheu esse momento de crescimento e desenvolvimento. O crescimento e desenvolvimento geram dor, em maior ou menor intensidade. Então, autoconhecimento gera dor e em dose dupla. Até que essa dor se transforma em liberdade.

    Nem sempre as pessoas conseguem iniciar e dar continuidade num processo de autoconhecimento sozinhas. Às vezes, o sobreviver, infelizmente, fala mais alto que o viver.

    Receba meu abraço e admiração.

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    1. Muito obrigado Edlaine; é sempre uma enorme satisfação aprender com você!
      Um grande abraço!

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  9. De que valem as ideologias e as teologias se não fazem das pessoas seres melhores? Ideologias, não nos iludamos, todos as temos; um deus para nos guiar, todos encontram algum, já que a humanidade sempre buscou Um... Sim, Mauricio, urge empreendermos a viagem rumo ao desconhecido, ao mundo estranho e surpreendente de nós mesmos. O Mahatma Gandhi já nos afirmava, "sejamos a mudança que queremos ver no mundo" - necessário nos conheçamos para que saibamos o que mudar. Grato, pela generoso gesto de trazer tuas reflexões, convidando-nos a essa odisseia do Autoconhecimento. Vida longa e próspera. Jorge.

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    1. Muito obrigado Jorge, como sempre, você consegue acrescentar muito em tudo que tentamos expressar.
      Grande abraço irmão!

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  10. Lendo em outubro, o que poderia ter lido em agosto! O olhar para dentro, o autoconhecimento para mim é a resposta adequada para a maioria das questões, mas há que se ter coragem, e textos e orientações terapêuticas que nos estimulem ajudam...e muito! Ouço sobre o "ser" e o "ter" desde a época da juventude no Catolicismo. E o tema continua...muito bem colocado pelo autor, parabéns!

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