Depressão e pós-modernidade

 

Depressão não é brincadeira, não é mentira para chamar a atenção e não é falta de Deus”

                                                             Lucia Costa

 

                    Provavelmente você conhece alguém (parente, amigo, colega de trabalho) que, neste momento, está em um processo depressivo (se não for você mesmo...).

                     Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que houve um aumento de 34,2% em seis anos de pessoas acometidas desse transtorno. Atualmente 16,3 milhões de pessoas acima de 18 anos sofrem com essa enfermidade (crianças também são afetadas por ela), de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS).

                    De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a depressão poderá se tornar a segunda maior causa de adoecimento das pessoas, perdendo apenas para as enfermidades cardíacas; ou seja, já vivemos uma espécie de “pandemia” desse transtorno também.

                    A palavra depressão tem sido muito utilizada nos últimos tempos. Algo como: “estou deprimido hoje”, “que depressão que me dá!”, “estou deprimido por não conseguir sair hoje...”. Será isso a depressão? Certamente não.

                    O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da American Psychiatric Association (APA), em sua 5ª edição (DSM-5) trata dos Transtornos Depressivos, ou seja, não existe apenas um tipo de depressão, embora “A característica comum desses transtornos é a presença de humor triste, vazio ou irritável, acompanhado de alterações somáticas e cognitivas que afetam significativamente a capacidade de funcionamento do indivíduo. O que difere entre eles são os aspectos de duração, momento ou etiologia presumida”. (p. 155).

                    Por muito tempo um misto de desconhecimento e preconceito contribuíram para a atual situação. A própria banalização do termo também é um fator significativo. Depressão não é “doença de rico”, não é uma “bobagem de gente de cabeça fraca”, não é “uma desculpa para não trabalhar”. Embora haja formas mais brandas, a depressão pode se tornar incapacitante para o trabalho, para a vida.

                    A origem da depressão é multifatorial e não é tão simples de diagnosticar. Fatores genéticos, aliados à influência do meio (epigenética) é uma forma bastante genérica de tentar identificar as verdadeiras causas, mas certamente o componente genético pode ser “ativado” por fatores externos, tais como traumas diversos, abandono, isolamento, medicações, drogas ilícitas, a dinâmica da vida moderna.

                    Não se pode negar que a pós-modernidade tem trazido fortes contribuições para a agravamento da situação. A enorme desigualdade social, a competição desmedida, a pressão por ser belo, saudável, bem sucedido, ter famílias perfeitas, viver permanentemente feliz, o uso excessivo da tecnologia (mídias sociais), as comparações entre pessoas (reais ou idealizadas), a insegurança psicológica, as cobranças familiares e laborais (tem que ser um excepcional pai, mãe, filho, empregado), são situações que pressionam sobremaneira o ter (bens materiais) e o ser (perfeito, bem sucedido, sempre feliz). O resultado não poderia ser outro...

                    Como sobreviver a um mundo do amor instantâneo, das paixões irrefreáveis, do consumismo, do virtual se sobrepondo ao real? E o que dizer das polarizações, das pessoas que tem opinião formada sobre tudo (viva Raulzito), e sempre “a mais correta”? A minha religião é a correta, meu posicionamento político é o certo, o inferno sempre são os outros?

                    Para a Psicanálise, a depressão se manifesta a partir do conflito entre o ego e o ideal do ego, ou seja, o sentimento de vazio (aliás, um dos sintomas mencionados no DSM-5) se daria pela não realização desses ideais tão propalados pela sociedade pós-moderna, próprios da cultura narcísica, eu, eu, eu, consumir, ser belo, ser o melhor, o mais feliz. (Moreira, 2008; Berlinck e Fédida, 2000, apud Mendes et al., 2014).

                    Poderia ser outro o resultado? A forma mais comum de depressão (chamada depressão clássica), caracteriza-se basicamente por mudanças de humor, a apresentam sentimento de tristeza e pesar, perda do interesse de atividades consideradas agradáveis, alterações do sono (excesso ou insônia), alteração no peso, pessimismo em geral, desesperança, impotência, crises de choro, cansaço excessivo, perda da libido, irritação, pensamentos suicidas (Silva, 2016).

                    Há saída, há solução? Sem dúvida que há. Da mesma forma que o aumento do quadro de depressão no âmbito mundial é uma realidade, a informação e ações propositivas também surgem no emaranhado de notícias ruins. Evidentemente, essa solução passa por várias instâncias, desde políticas públicas de saúde, até as ações preventivas individuais, e valer-se dos profissionais da área, psicólogos, psicanalistas, psiquiatras.

                    Transformações sociais vêm ocorrendo, contribuindo para uma condição de bem-estar, afinal, o destino humano não é o sofrimento (não que ele inexista). O ambiente organizacional precisa se transformar e, de alguma forma, já está mudando. A competição desenfreada necessita ser substituída pela colaboração e cooperação. O bem-estar psicológico deve se sobrepor à pressão pelo cumprimento de metas inatingíveis e desumanas. O “nós” deve se sobrepor ao “eu” em nome do coletivo. É interessante que uma empresa como a Ambev (conhecida também por ser extremamente exigente com seus empregados) acaba de criar a Diretoria de Saúde Mental. Um estudo de 10 anos do Google concluiu que o ingrediente secreto das equipes de alto rendimento não é a pressão por resultados, mas sim a seguridade psicológica. Não deixa de ser emblemático.

                    No âmbito pessoal, a receita já é conhecida, mas precisa ser colocada em prática: exercícios físicos são absolutamente necessários para uma boa saúde mental; não há como driblar essa realidade. Hábitos saudáveis alimentares, relações construtivas, autoconhecimento, reconhecer as emoções próprias e a dos outros também são aspectos essenciais para a prevenção de enfermidades mentais. A espiritualidade é outro fator essencial. Espiritualidade é uma dimensão humana e, como tal, essencial. Não se trata de religião (esta, institucional, que também pode ter seu valor), mas sim da busca da transcendência, do sagrado que habita cada um de nós...

                    Essa pandemia não se resolve com vacina; aliás a vacina poderia se chamar autoconhecimento, empatia e compaixão...

                 

                                                                                                Mauricio Lambiasi

                                                   Graduado em Administração de Empresas e Psicologia Clínica

                                                                                                      Mestre em Recursos Humanos

                                                                          Doutorando em Ciências Empresariais e Sociais

                                                                                                  Formando em Psicanálise Clínica

                   

 

Fontes:

American Psychiatric Association (2014). Manual diagnóstico de transtornos mentais; DSM-5. Porto Alegre: Artmed.

Mendes, E.D. et al. (2014). Melancolia e Depressão: Um estudo psicanalítico. Revista Psicologia Teoria e Pesquisa, Out-Dez, vol. 30 n. 4 pp. 423-451.

Silva, A. B. B. (2016). Mentes depressivas: as três dimensões da doença do século. 1 ed. São Paulo: Principium.

Comentários

  1. Parabéns, bastante instigante, merece reflexão

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  2. Concordo plenamente, meu querido. Indubitavelmente, um dos pilares da cura da depressão é o autoconhecimento. Através da reflexão das nossas ações e reações passamos a nos conhecer diante das situações, a fim de melhorar a forma com que encaramos os desafios de cada dia. Bj grande.

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  3. Concordo plenamente, meu querido. Indubitavelmente, um dos pilares da cura da depressão é o autoconhecimento. Através da reflexão das nossas ações e reações passamos a nos conhecer diante das situações, a fim de melhorar a forma com que encaramos os desafios de cada dia. Bj grande.

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  4. Concordo plenamente, meu querido. Indubitavelmente, um dos pilares da cura da depressão é o autoconhecimento. Através da reflexão das nossas ações e reações passamos a nos conhecer diante das situações, a fim de melhorar a forma com que encaramos os desafios de cada dia. Bj grande.

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  5. Excelente, pena que a "vacina" contra a depressão precisa de uma intensa luta individual e coletiva para ser conseguida, e ela, desculpem-me a descrença, atingirá a pequenos grupos, que esses grupos possam multipicar-se para, aos poucos, termos sociedades mais saudáveis...

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  6. Muito obrigado a todos pela gentileza dos comentários!

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