O Inconsciente a 11,5 km abaixo do nível do mar

 

“Ninguém se torna iluminado por imaginar figuras de luz, mas sim por tornar consciente a escuridão. O que não se faz de forma consciente se manifesta em nossas vidas como destino”. (Jung)

 

                    Até hoje, 3.000 alpinistas fizeram 5.000 escaladas ao cume do Monte Everest (8.848 acima do nível do mar); 12 homens caminharam na Lua (384.000 km da Terra), e somente dois chegaram ao fundo da Fossa das Marianas, a 10.900 m de profundidade, no Oceano Pacífico (em 1960!).

                    Após 1 km de profundidade, não é possível mais detectar a luz do sol, resta apenas a escuridão, com seres diferentes daqueles que estamos acostumados a ver, além de uma imensidão ainda desconhecida...

                    O inconsciente humano, talvez uma abstração, talvez localizado no sistema límbico e adjacências do nosso querido cérebro, também guarda em si ainda muitos mistérios. Qual é a sua profundidade? É regido pela escuridão?    

                    Sim, nosso inconsciente guarda toda a sorte de emoções, visões, animais fantásticos, quimeras, anjos, demônios, desejos dos mais elevados aos mais sombrios, a pureza de sentimentos, a crueldade dos instintos destrutivos, o amor não correspondido, guardado a sete chaves, esperando uma oportunidade de se manifestar, o ataque de ira, pronto para destruir, num embate permanente com o nosso ego e superego.

                    Explorar a escuridão do oceano pode nos trazer muitas surpresas, animais maravilhosos, deslumbrantes, plenamente adaptados, mas também alguns terríveis, prontos a atacar o que quer que seja; descobertas poderão ser de muita utilidade à humanidade, mas certamente sempre haverá pontos obscuros, jamais conhecidos...

                    Desvendar o inconsciente é trazer à tona o que realmente somos, é descobrir nossa alma, de infinitas possibilidades, de desejos recalcados e inconfessáveis, do esplendor espiritual oculto, imerso em medos, dúvidas, certezas, desespero, felicidade. O diálogo permanente com o ego e superego é limitado, mas está sempre presente, por meio dos atos falhos, da incontinência verbal, dos nossos sonhos...sim, este sim é um espetáculo da vida. Os sonhos marcam e traçam caminhos do inconsciente para o consciente, de forma desnudada, imaginária, simbólica. Cabe decifrar o enigma dos oráculos, da esfinge que nos atormenta.

                    Sim, o oráculo da noite pode nos trazer informações fundamentais a questionamentos permanentes de nossa mente inquieta. O oráculo da noite pode transformar vidas, criar arte, decifrar problemas científicos, pode fazer emergir o desejo oculto que insiste em se apresentar, mas é barrado pelo ego e superego zelosos, pois temem não suportar certas realidades.

                  O reino de Morfeu realmente é fundamental para compreender o inconsciente, é preciso, tal qual uma cápsula submarina, mergulhar nele, com muita reflexão, autocrítica, com ajuda de outros...é preciso muita sinceridade consigo mesmo para perceber o que somos, sem freios, sem julgamentos. Deixar o inconsciente passar é um desafio que se apresenta todos os dias, todas as noites.

                    Como chegar ao autoconhecimento sem mergulhar na maravilha das profundezas do id? Desejo amar, desejo poder, desejo sexo, desejo riqueza material, desejo eliminar, matar, destruir, desejo simplesmente o bem comum, a construção de um mundo melhor, desejo um contato íntimo com o sagrado, desejo a simplicidade em todas as suas dimensões? Quais são minhas pulsões de vida e de morte?

                    No passado tínhamos medo de entrar em uma caverna escura, sem saber o que esperar, um animal feroz, uma armadilha. A luz artificial destruiu muito de nossos medos imaginários ou reais; podemos adentrar uma caverna escura com um facho de luz, com equipamentos adequados, com armas. E como entrar na escuridão do inconsciente sem medo? O medo de reviver experiências ruins, o medo do desconhecido, que a herança cultural nos trouxe, o medo do julgamento cada vez mais imediato e cruel de uma sociedade superficial, ligada pura e simplesmente nas mídias sociais, com a banalização das relações, do analfabetismo científico, da valorização de crendices que trazem respostas simples e imediatas e, rigorosamente erradas.

                    Realmente nosso inconsciente é a parte profunda de nosso aparelho psíquico, é lá onde se encontra aquilo que somos ou gostaríamos de ser, com o trabalho decifrador do nosso consciente, de um ego que precisa equilibrar a erupção do inconsciente com a pressão do superego e do meio em que vivemos. Um trabalho e tanto, mas fundamental para ter uma vida verdadeira, em busca de equilíbrio, de qualidade, de sensatez.

                    Decifrar o inconsciente exige muito trabalho, normalmente é mais fácil “deixar a vida me levar” (síndrome do Zeca Pagodinho), fingir que não é comigo, buscar recompensas materiais, relacionamentos superficiais, compensações por meio da abundância de alimentos, de compromissos sem fim, de estar sempre com outros e nunca consigo mesmo.

                    Decifrar o inconsciente exige coragem, respeito consigo mesmo, desejo de amar a si próprio, de respeitar a si próprio, de poder amar o outro com a certeza de que se pode construir relações saudáveis por meio do autoconhecimento. Estar bem, ser bom, é parte da construção social que busca o coletivo, o bem-estar da sociedade humana e da vida como um todo.

                    Como disse certa vez um sábio chinês: “Por que ter medo da inocente escuridão?”

 

Mauricio Lambiasi

Graduado em Administração e Psicologia Clínica

Mestre em Administração de Recursos Humanos

Doutorando em Ciências Empresariais e Sociais

Formando em Psicanálise Clínica

 

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