Autismo, uma história de amor com uma terapeuta ocupacional
Autismo,
uma história de amor com uma terapeuta ocupacional
Bruna Romera Garcia*
Mauricio Lambiasi**
Às vezes, da contrariedade,
nasce o amor. Quando iniciei meu estágio em uma escola para crianças
deficientes, uma funcionária me disse: “aquele ali não tem jeito, pode
esquecer”. “Aquele ali” era uma criança autista. Para uma jovem terapeuta
ocupacional, isso foi uma amostra do mar de preconceito que existe em nosso
País, não somente contra pessoas com carências físicas, mentais, emocionais,
mas de toda a ordem...fruto da ignorância, da má educação ou, para não dizer,
maldade mesmo.
O curioso é que, ao mesmo
tempo em que fiquei indignada, nasceu o enorme desejo de trabalhar com pessoas
com TEA - Transtorno do Espectro Autista. Sim, é chamado de espectro, porque há
variações muito significativas de pessoa a pessoa, ou seja, cada caso é único e
deve ser tratado como tal. Estima-se que 1% da população mundial tenha autismo,
e é fato que esse transtorno tem aumentado significativamente na população
infantojuvenil.
Embora as pesquisas atuais
indiquem como causa do TEA uma predominância genética (mas ainda não há um
fator determinante), o diagnóstico é clínico, ou seja, é feito por meio de
testes e observações comportamentais por um médico com competência para tal.
Uma observação importante: Vacina
não causa autismo. Essa aberração foi divulgada por um ex-médico britânico
no final da década de 90, que fraudou as pesquisas, pois tinha interesse em
patentear uma nova vacina e lucrar milhões; acabou perdendo a licença para
medicar e causou problemas no mundo todo, pois muitos pais deixaram de vacinar
seus filhos, aumentando sobremaneira doenças como o sarampo...
O fato é que o TEA
compromete as habilidades de comunicação e interação social e como disse, há
uma variedade muito significativa entre as pessoas afetadas por esse transtorno
e, portanto, necessitam ser acompanhadas de forma individual. No meu trabalho
diário em uma escola particular especializada, é possível observar o mundo de
cada criança, jovem, adulto e, apesar do desafio, é muito gratificante observar
a evolução de cada um, as características comportamentais que fazem com que seja
necessário interagir de modo distinto, utilizar técnicas próprias a cada caso,
a cada dificuldade, mas nada que a dedicação, a atenção e o afeto não possam
contribuir para o desenvolvimento delas.
Seria desnecessário dizer que
nem tudo são flores, há casos em que o tratamento se dá de forma relativamente
tranquila e o desenvolvimento é visível em pouco tempo, e outros bastante
complexos, às vezes com o autista apresentando crises nervosas e violência, que
necessitam de técnicas de contenção apropriadas, o que exige de nós,
profissionais, resiliência e foco na determinação em mudar ou melhorar essa
condição, o que nem sempre é possível da forma que seria desejada.
Algo muito importante, fundamental, é o
diagnóstico precoce do TEA, antes dos três anos de idade. Esse talvez seja o
maior problema a ser enfrentado. Quanto antes detectado, maiores são as chances
de uma melhoria significativa no quadro autista. Ocorre que, ainda há muita
desinformação, falta de preparo de médicos, psicólogos, fonoaudiólogos, psicopedagogos,
professores...e, porque não dizer, dos próprios pais e parentes.
Muitas vezes o
comportamento “estranho” da criança não é levado em consideração, ou por
desconhecimento técnico ou pelos pais e parentes não quererem imaginar que seu
filho, neto, sobrinho, possa ter algum problema. Comportamentos tais como desvio
do olhar, irritação exacerbada quando se tenta interagir com ela, rir para o
nada, brincar de forma diferente (valorizar excessivamente partes dos
brinquedos, foco excessivo nos detalhes, tais como forma, cores), entre outros
aspectos, devem ser verificados. Não se trata de ficar “obcecado” com eventuais
problemas, todos os pais têm receio de que seu filho possa tê-los, isso é
normal. Entretanto, ao se verificar comportamentos persistentes como esses e
outros, o mais precocemente possível, é necessário o encaminhamento para profissionais
de reconhecida competência, caso contrário, a demora no diagnóstico poderá
dificultar, e muito, a perspectiva de significativa melhoria e inserção social
de forma plena.
Embora saiba que a situação não é
simples, os pais não podem se desesperar. Jamais se culpem; é preciso, antes de
tudo, agir. É bem verdade que as escolas, tanto públicas quanto particulares,
não estão preparadas para receberem pessoas com diagnóstico de autismo; aliás, não
há preparo inclusive para receberem pessoas com outros problemas, apesar da
necessidade de inclusão ser cada vez mais incentivada. Antigamente, pessoas com
algum tipo de deficiência eram “escondidas” pelas famílias; hoje, ao contrário,
o processo de inclusão é fundamental para a própria evolução delas. Nem todos
têm condições de pagar uma escola especializada, mas hoje, é possível encontrar
pelas mídias sociais, grupos de pais e profissionais competentes que podem
auxiliar com orientação adequada.
É também relevante que os
pais tenham apoio, inclusive psicológico, para poder ter um ambiente adequado
nos seus lares, conduzindo a autista para uma vida plena, inserida no contexto
social, em que possam ter suas atividades diárias, lazer, estudo. Pais e irmãos
precisam ter suas vidas, seus anseios, suas conquistas. Não se pode jamais
esquecer disso. Daí, volto a dizer, a necessidade fundamental de um diagnóstico
precoce.
Uma visão otimista, sem
ufanismos, é de grande relevância para a melhoria constante da pessoa com TEA. A
abordagem mais importante praticada nas escolas especializadas hoje é chamada
ABA (Análise Aplicada do Comportamento, ou Applied Behavioural Analysis, em
inglês). Essa abordagem é bastante eficaz na redução de sintomas e
comportamentos muitas vezes inadequados. Quando bem aplicada, é capaz de
melhorar significativamente a maioria dos casos. Sim, o autista pode ter sua
vida muito melhorada, muitos poderão ir para o mercado de trabalho e
desenvolver-se profissionalmente, trazendo ganhos imensos para toda a família!
É claro que o custo emocional de
trabalhar em uma escola como essa é significativo, por outro lado, a possibilidade
de ingressar no mundo do autismo, entendendo que são pessoas com comportamentos
e visão de mundo diferentes, me fez crescer muito em termos profissionais,
emocionais e, porque não dizer, espirituais. Hoje sou uma pessoa mais
compreensiva com o outro, com maior capacidade de empatia, por entender que as
pessoas são diferentes, os comportamentos são diferentes, é preciso entender
melhor o outro, mesmo aqueles que são considerados “típicos”.
Em um mundo com tanta
intolerância, tanta polarização, tanta incompreensão, as pessoas com TEA me
ensinaram que amor e compreensão, aliados ao conhecimento científico, são o
caminho para um mundo melhor, mais humano, mais construtivo. É isso!
*Bruna Romera Garcia
Terapeuta Ocupacional e
Especialista em Autismo, trabalha no Centro Lumi
**Mauricio Lambiasi
Graduado em Administração e
Psicologia Clínica
Em tempo:
leiam o artigo abaixo sobre investimento em tecnologia para suporte ao
atendimento a autistas:
https://exame.com/pme/com-aporte-de-r-5-mi-startup-ajuda-pais-de-criancas-com-autismo-no-brasil/
Artigo muito oportuno, pelo comemoração nesta data do dia internacional do autismo e pela importância do assunto, que foi muito bem elaborado e tratado pela terapeuta ocupacional Bruna Garcia, apresentando sua vivência pessoal e profissional, bem como dados científicos, conceitos e recomendações a respeito das pessoas autistas, mas, acima de tudo, seu amor a elas.
ResponderExcluirParabéns!
Sérgio Lambiasi Filho
Muito grato mano, vou transmitir à Bruna.
ExcluirParabéns a ambos
ResponderExcluirMuito grato irmão.
ExcluirParabéns pelo excelente texto!! Muito esclarecedor e emocionante !!
ResponderExcluirSeres especiais, tantos os acometidos pelo transtorno quanto os profissionais que dele tratam. Parabéns å Bruna pelo excelente trabalho e ao Maurício pelo espaço.
ResponderExcluirMuito obrigado prima, vou transmitir à Bruna.
ExcluirParabéns pelo excelente trabalho !
ResponderExcluirParabéns Bruna pelo amor e dedicação ao seu ofício e parabéns Maurício pelo excelente texto!
ResponderExcluirMuito obrigado !!!
ExcluirQue maravilhoso poder aprender com a vivência especial de outros olhares. Obrigada pelo rico testemunho!
ResponderExcluirTexto Maravilhoso!!! Parabéns para ambos!!!
ResponderExcluirMuito obrigado Nathaly!!
ExcluirTraga-nos sempre textos profundos como esse, aliás você já nos presenteia sempre. Muito obrigada.
ResponderExcluirMuito obrigado Mary!
ExcluirExcelente!
ResponderExcluirExcelente!
ResponderExcluirMuito obrigado, Débora.
Excluir